Texto escrito a pedido de uma amiga sobre um artigo traduzido por, ironicamente, um homem e publicado na folha.
Minha avó, que deveria ser uns 50 ou 60 anos mais velha do
que eu dizia:
“O primeiro marido de
toda mulher é o trabalho”.
Isso porque ela, vinda de uma família pobre, só conseguiu
melhorar de vida por ter se casado. Ela sempre fora uma mulher inteligente e
perspicaz, trabalhou como professora primária e na época dela, foi forçada a
largar tudo o que tinha para se tornar mãe e dona de casa. O meu avô, muito
ciumento, não a deixava trabalhar, como muitos em sua época.
Mas ele morreu com 40 anos de câncer e a deixou com duas
filhas para criar, sem trabalho ou experiência, um patrimônio para administrar
que ela não sabia como fazer. Na época do ocorrido, as viúvas precisavam entrar
na justiça para receber a pensão e essa decisão demorava algum tempo. Além disso,
minha avó passou algum tempo recebendo apenas uma parte do salario do meu avô.
Me lembra um pouco a história de “A partilha”- da Júlia Lopes de Almeida.
Tudo na vida da minha avó se resumia ao casamento, e ela se
viu viúva, sem trabalho. Falar o que para as contas? “Eu investi no meu
casamento antes da profissão, como a Suzana Venker aconselhou e agora me
f*&%”.
No texto que o blog da folha traz, uma série de anomalias.
Eu sou brasileira e não sou de nenhuma cidade super cosmopolita, como São
Paulo. Os brasilienses irão negar, mas tem uma mentalidade que é, em muitos
aspectos, interiorana. As mulheres aqui ainda se desesperam ao pensar que
podem algum dia ficar “para titia”. Acho que é o sonho de muitas mulheres
casar. Casamentos de meio milhão acontecem o tempo todo.
Eu não sei bem o que o casamento representa para a maioria
dos homens. Acredito que para o brasileiro padrão, o casamento significa ter,
me desculpem o linguajar, alguém para limpar, cozinhar, trepar e cuidar das
crianças. E pior, muitos homens nem conseguem mais manter a casa sozinhos e
ainda tratam suas mulheres como vassalas.
Realmente não consigo entender como alguém pode defender o
casamento nos moldes do que era antigamente. Isso tem para mim ares de
preconceito e inveja. Mas enfim, muitas teorias afirmam que em épocas de crise
econômica, para se abrirem postos no mercado de trabalho para os homens, há uma
volta desse discurso conservador visando a volta das mulheres ao lar, para, aí
sim, dar emprego para os homens.
Para quem ainda levanta a bandeira dos papéis tradicionais
de gênero, basta lembrar que eles são extremamente recentes. Inclusive, já na
revolução industrial, as mulheres eram grande parte da força de trabalho. Mas
tem gente que só enxerga aquilo que quer ver. Essa autora, por exemplo, o que
está fazendo escrevendo livros e os vendendo? Isso não é um trabalho? Quem
cuida da casa dela? E dos filhos? Enfim, será que ela mesma não está sendo
contraditória?
Nos anos 50, nos EUA, as mulheres da classe média tinham um alto
grau de instrução. Isso porque precisavam esperar o marido se formar e arrumar
um bom emprego antes de se casarem. Sendo assim continuavam a estudar.
Conclusão: a depressão e a taxa de suicídio entre as mulheres dessa época era
altíssima, afinal, a vida de uma dona de casa não necessita de PhD.
Ela diz “Não é mais necessário casar para se fazer sexo”. Da
parte dos homens, isso nunca foi necessário. Para as mulheres, isso nunca
deixou de valer, basta ver os casos das meninas difamadas pelas redes sociais
pelos seus próprios parceiros sexuais. Parte disso se dá porque eles podem, e
elas não. Ao fazerem isso são vistas como vadias, prostitutas... Onde está
mesmo a liberdade sexual das mulheres? O duplo padrão ainda está aí. O que a
autora está dizendo não é nada além do “faça o que a sociedade ainda espera de
você, não questione, não faça o que quer, se aliene e será feliz”.
Isso porque muitos homens ainda tem problemas para
lidar com mulheres modernas. Por isso vemos esse tipo de manifestação visando
difamar as mulheres, fruto de uma insegurança masculina. Mas é sempre bom
lembrar, ainda bem, que não são todos os homens que agem dessa maneira. E
também é bom lembrar que não são todos os homens e nem todas as mulheres que
estão de fato interessados em relacionamentos monogâmicos ou heterossexuais.
Aliás, eu queria entender um pouco mais das motivações dessa
autora, que claramente não foi criada na época que esse tipo de pensamento não
era contestado.
Existe um certo medo das mulheres em oferecer a sobremesa
antes do jantar, e os homens não quererem nada mais com elas. Bom, eu só posso
dizer uma coisa, a sobremesa não é a única parte. Sem o jantar, é apenas
sobremesa. E se o cara comeu e sumiu, melhor pra você. Sinal que não devia ser
lá grande coisa. O problema, para mim, é o fato das mulheres que querem apenas
satisfazer suas vontades sexuais serem difamadas, ou aquelas que dão no
primeiro encontro. Ninguém nunca para pra pensar que essa poderia ser a razão
do encontro per si? E se ele foi mais do que isso, porque deixar um preconceito
impedir um conhecimento mais aprofundado do outro? Por que não partir para um
segundo ou um terceiro?
Outro ponto importante a ressaltar é: o casamento mudou e os
arranjos familiares também. Muitas vezes, a melhor coisa do passado é que ele
passou. As pessoas se esquecem que os tempos antigos não eram apenas uma
propaganda vintage da Coca Cola. É sempre mais fácil ser saudosista quando os
maus momentos de uma época foram cuidadosamente suprimidos. E não tem nada de inovador
em ser conservador.
Falar que os homens são imaturos ou amadureceram menos
porque tem menos responsabilidades é uma coisa, mas dizer que isso é culpa das
mulheres, porque elas resolveram que existe mais na vida do que casar é, no
mínimo, falacioso. Os homens precisam de incentivos para casar? As mulheres
também! Afinal, pelo menos aqui no Brasil, muitas vezes o casamento é um mau
negócio para as mulheres, que se veem obrigadas a terem uma dupla jornada. O
que eu acho que está ficando evidente hoje em dia, que por mais que as mulheres
queiram ter uma família e casar-se, estão pouco propensas a fazê-lo nos moldes
de antigamente. Além disso, os homens terão que enxergar que se o quiserem,
precisarão tomar para si a parte que lhes cabe na paternidade e nos afazeres
domésticos e não tem discurso conservador que seja que me convença do contrário.
Como deixar de viver, se os homens continuarem como estão? Como acreditar que o casamento amadurecerá milhagrosamente os homens? Se a mulher não investir no trabalho, o que sobrará para ela na grade partilha da sociedade?
Como deixar de viver, se os homens continuarem como estão? Como acreditar que o casamento amadurecerá milhagrosamente os homens? Se a mulher não investir no trabalho, o que sobrará para ela na grade partilha da sociedade?
Há mais coisas além do trabalho? Certamente que sim. E
existe muito mais além do casamento.